O que é karma?


1. Origem.

Embora não tenha sido utilizado na codificação empreendida por Kardec, muitos espíritas contemporâneos convencionaram utilizar o termo "Karma" ou "Carma", para referenciar a lei de causa e efeito preconizada pela doutrina espírita.

A palavra tem origem no sânscrito [कर्म, transl."ação"], havendo referência dela nas filosofias budista, hinduísta, jainista, sique e teosófica, com algumas nuances.


2. Conceito.

O karma define fundamentalmente um princípio ético-evolutivo dos espíritos, e também encontra explicação nas leis da física, embora esta interrelação ainda seja pouco conhecida na Terra devido ao estágio rudimentar de sua ciência.

Em "O Céu e o Inferno (ou a Justiça Divina)"[1], disponível na biblioteca, lê-se:

"A responsabilidade moral pelos atos da vida [humana] permanece inteira [após a morte]; ... a razão nos diz que as consequências dessa responsabilidade devem estar em relação com o desenvolvimento intelectual do espírito; quanto mais este seja esclarecido, menos é escusável, porque com a inteligência e o senso moral, nascem as noções do bem e do mal, do justo e do injusto." [P. 56]

Logo, ao contrário do que costuma vaticinar a justiça dos homens, os que detém maior discernimento e poder responderão de modo mais grave, incisivo, pelo mal praticado, do que aqueles cuja ignorância ladeia os instintos primários. Sendo a lei eterna perfeita, não lhe escaparia o fato de alguns equívocos terem motivação mais próxima do instinto de sobrevivência, enquanto outros da vontade de praticar o mal. Neste caso, à agravante da negligência da opção por assim dizer "mais confortável" de bem servir.

As disposições imorais do espírito servem inclusive de empecilho ao sucesso de certos tratamentos medicamentosos nas doenças. [P.56] De fato, "todas as misérias, todas as vicissitudes que suportamos na vida corporal, são consequências de nossas imperfeições, de expiações de faltas cometidas, seja na existência presente, seja nas precedentes." [P. 59] "A soma das penas, assim, é proporcional à soma das imperfeições, do mesmo modo que a dos gozos está em razão da soma das qualidades." [P. 58]


3. Das "injustiças" terrenas.

Em virtude da lei do karma, não há injustiça em quaisquer dos sofrimentos verificados. Todos os espíritos encarnados são partidários dos efeitos que suas próprias ações provocam, num espectro de desenvolvimento que é preciso superar.

Os indivíduos deste orbe respondem tanto pelo mal que praticam, quanto pelo bem que deixam de praticar, na medida das possibilidades e do conhecimento de cada um.


4. O arrependimento, a reparação e o perdão. 

O bem e o mal se externalizam por ações, palavras e pensamentos. Vigiar os impulsos que levam às ofensas constitui o primeiro passo para o progresso. Mas não é só. Pelo mal praticado surgirá a necessidade de corrigi-lo:

"Aquele que não reparar os seus erros nesta vida, por impossibilidade ou má vontade, se reencontrará, em uma existência ulterior, em contato com as mesmas pessoas que tiveram do que se lastimar dele, e em condições escolhidas por ele mesmo, de maneira a poder provar-lhes o seu devotamento, e fazer-lhes tanto bem quanto lhes haja feito de mal." [P.60]

A necessidade de reparação explica p.ex., as contradições muito acentuadas entre membros de uma mesma família e outros tipos de organização social, propondo-se a um projeto encarnatório mútuo de assistência e tolerância.

Na perspectiva espírita o perdão de uma vítima não exonera o culpado de ter que, não apenas se arrepender verdadeiramente do mal praticado e evitá-lo no futuro, mas compensá-lo pelo trabalho, colhendo benefícios para a própria vítima ou terceiros, conforme o caso. [P. 63]

O perdão irrestrito apregoado por Jesus Cristo também é antítese do mal, pois toda reação física e mental de ódio ou reativa pelo mal sofrido caracteriza imperfeição do espírito, causa de muitas doenças neste plano.

A certeza da justiça por efeito da lei do karma deve bastar, porque a culpa está plantada internamente na consciência de cada um, mesmo que momentaneamente enfraquecida. O véu da ignorância, causa de todos os males, cedo ou tarde acaba removido.

Quando as faltas não acarretam prejuízo irreversível, geralmente demandando uma outra encarnação reparadora, o mal pode ser saneado pelo cumprimento dos deveres omitidos. Deve-se substituir o orgulho pela humildade, a dureza pela brandura, o egoísmo pela caridade, a maldade pela benevolência, a preguiça pela ação, a inutilidade pela utilidade, a imoderação pela moderação, a avareza pela solidariedade, o mau pelo bom exemplo, e assim sucessivamente. [P. 60]

Conclui-se que o arrependimento, embora represente o princípio de toda auto-cura, é insuficiente para livrar o espírito do karma. Persiste a necessidade de corrigir todo e qualquer mal provocado.


5. Karma e expiação.

O karma é um elemento particularmente característico dos mundos de expiação, no qual a Terra está inserida:

"A expiação consiste nos sofrimentos físicos e morais, que são a consequência da falta cometida, seja desde a vida presente, seja depois da morte, na vida espiritual, seja em nova existência corporal, até que os traços da falta tenham se apagado." [P.60]

O aparente paradoxo de buscar encarnar num mundo de tribulações se dissolve a medida em que a auto-crítica e a alteridade se desenvolvem. A auto-crítica permite visualizar as próprias falhas e defeitos para corrigi-los. A alteridade imprime um senso natural de identificação de si no outro, capaz de medir eticamente cada comportamento a realizar ou evitar. Por isto Jesus, quando indagado sobre o conceito de justiça, respondeu convidando a "se colocar no lugar do outro".


6. Espíritos guardiões e obsessores.

O espírito age pelo livre arbítrio, mas quando encarnado assiste-lhe um guia desencarnado de maior elevação, vulgarmente conhecido por "anjo protetor ou guardião". [P. 61]

Este espírito cuja função é zelar por um encarnado se esforça em suscitar bons pensamentos e aspirações ao longo da experiência do ser humano, que só a obstinação no mal écapaz de ignorar. Neste caso, dependendo do grau de insistência no erro, poderá se afastar de seu curatelado, permitindo que obssessores de baixo padrão vibratório se aproximem e exerçam influência, até que aquele resolva se corrigir. Os sofrimentos se agravam na exata medida da equivocada obstinação.


7. Conclusão.

É preciso compreender que todo mal sofrido nesta curta existência terrena tem origem na predisposição pessoal para cometê-lo, e que só a prática do bem é capaz de fazer cessar.

Equivocam-se aqueles que pensam que uma vida pacífica contemplativa, abstendo-se de cometer o mal ostensivo, lhes basta para evitar sofrê-lo. É preciso buscar formas de colaboração que se traduzam em trabalho profícuo.

O caminho da felicidade está aberto a todos e não é objetivo da existência, mesmo a terrena, o sofrimento gratuito. Ocorre que, estando os espíritos que encarnam neste planeta ainda muito endurecidos nas suas concepções, têm que experimentar a dor para alterá-las.

*Tela em óleo de Eugène Accord.






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[1] Kardec, Allan. Trad. Salvador Gentle. Rev. Elias Barbosa. Araras, SP, IDE, 51a Ed.2008. 

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